Neste mês de fevereiro, entrevistamos ao escritor Séchu Sende (Padrom, 1972).
Pergunta. Qual foi o motivo que te levou a escrever?
Resposta. Comecei a escrever porque gostava de ler. Lia e Lia
sem parar e, um dia, na escola, escrevim um conto e gostou muito. Isso deveu
ser quando tinha onze ou doze anos e vivia em Noia. Eu nascim em Padrom, e lera
alguns poemas de Rosalía de Castro e, dalgum jeito, gostava do mundo das palavras
e via a Rosalía mui próxima. Mais adiante, com dezasseis anos, descobrim outras
emoçons na escrita ao escrever as primeiras cartas de amor a umha moça. Logo, fruto
do desamor, escrevim uns poemas e enviei-nos a um concurso, e foram premiados.
Isso foi outra motivaçom importante. Ademais, paralelamente a todo este processo,
eu ia descobrindo cousas: eu, que era um rapaz castelhano-falante, que fora
educado para falar castelhano e que aprendera a nom falar galego (porque isso é
algo que se aprende, na escola e fora da escola), fum experimentando um câmbio
pessoal e figem-me galego-falante aos dezassete anos. Daquela, o mundo cambiou.
De súpeto, descobrim um mundo cheio de creatividade e de positividade.
P. Qual foi a resposta do teu pai/mãe?
R. O certo é que tivem sorte, porque ganhei vários prémios literários e o meu
pai e a minha mãe sentiam-se orgulhosas de ter um filho ao que lhe reconheciam
umha determinada habilidade, a de combinar palavras. Ademais, os dous provinham
de famílias humildes e galego-falantes. E eu, ao longo da minha infância e da
minha mocidade, observei nelas e noutras adultas como se manifestava a diglossia.
Lembro à minha mãe falando galego coa sua família e coas suas amigas, mas, quando
falava connosco, cos filhos, ou com alguém de traje e de gravata, se passava ao
castelhano… Aquilo parecia-me tam injusto… Assim que quando dei o passo de
botar-me a falar galego tam novinho, e decidim que a minha vida ia estar ligada
à língua, e que, com ela da mão, ia trabalhar polo meu bem e polo bem comum do
meu país, isso surpreendeu-nos muito. Nom o esperavam. Elas pensavam que o melhor
para mim era falar a língua mais prestigiada, a língua da «casta», diria-se hoje,
o castelhano, e por isso educaram-me nessa língua, porque pensavam que era a
melhor língua para ascender socialmente. E eu, claro, como muita outra gente
que nos figemos neo-falantes na mocidade, queria, simplesmente, ser galego
falando a língua que, curiosamente, outra gente rejeitava por umha carga
histórica de prejuízos e de estereótipos. O mais normal, o que se esperava de
mim, e de muitas rapazas castelhano-falantes, era que seguíssemos falando
castelhano, por inércia. Mas tivemos a sorte de poder escolher, e escolhemos a
língua própria do país.
P. Qual das tuas obras consideras a melhor?
R. Isso é difícil de decidir. E suponho que nom deveria ser eu quem julgasse
as minhas obras. Tenho dias nos que gosto mais de O caçador de bruxas [2011]; outros dias som mais de Animais [2010], outros, de Made in Galiza [2007] ou das outras…
Cada umha foi escrita numhas circunstâncias, cumhas motivaçons singulares.
Entre elas som mui distintas… Algumha é mais conhecida publicamente, ou tem mais
capacidade de transformaçom social, como Made
in Galiza, e outras, menos. Mas o valor dumha obra nom depende só do número
de leitoras nem da sua capacidade transformadora. Depende doutras muitas
cousas, e valorar o conjunto, para mim, é difícil.
P. Que é o mais satisfatório da tua faceta de
escritor?
R. Pois talvez seja, entre outras cousas, ter a sorte de poder expressar-me
livremente e que do outro lado haja alguém, umha pessoa, dez ou mil, que
compartem comigo esse processo comunicativo, criativo, de transformaçom pessoal
e coletiva. Todas as pessoas mudamos esta sociedade coas nossas atitudes, coa
nossa participaçom, coas nossas relaçons sociais, coas nossas afetividades, co
nosso trabalho… Eu gosto de pensar que, como qualquer outra pessoa, estou a
achegar o meu grão de areia para que o mundo seja mais fermoso, mais feliz, mais
justo, mais rebelde, mais insubmisso, mais crítico e mais nosso, da gente de
abaixo.
P. Qual é a tua escritora e a tua obra favoritas?
R. Ui! Admiro a muita gente e muitas obras. Na minha adolescência, flipei com
Suso de Toro, com Pepetela, com Guy de Maupassant, com Edgar Allan Poe, com
Reinaldo Arenas, com Xosé Luís Méndez Ferrín… Daquela, por exemplo, ainda nom
conhecia a literatura de muitas mulheres, porque estavam (e estám) menos acessíveis;
mas, depois, alucinei com Gioconda Belli, com Marjane Satrapi ou coas mulheres
da minha geraçom, que conhecim ao chegar a Compostela, como María Lado, Yolanda
Castaño, Lupe Gómez ou Olga Novo, entre muitas outras que agora esqueço...
P. Estás a trabalhar nalgum novo projeto?
R. Estou com várias cousas, porque temos muito trabalho que fazer. Se
queremos mudar este país, temos que ser trabalhadorinhas… Assim que estou a
preparar um livro de viagem (Viagem a Goa),
umha traduçom do poeta basco Joseba Sarrionandia, um livro de relatos que
talvez se titule A fórmula da liberdade
e algumha outra cousa… Ademais, como ativista, estou a colaborar em Semente, um
projeto de escolas em galego que criou o movimento social para que as nossas filhas
tenham ensino em galego, normalmente. As nenas galego-falantes deixam de falar
a sua língua quando entram no ensino convencional, público ou privado. E muitas
nenas castelhano-falantes nom adquirem competências em galego e só o falam de
forma mui restrita, nas aulas de língua galega e pouco mais. A raiz das
reformas do PP [Partido Popular], mesmo começa a haver nenas que nom tenhem
habilidades comunicativas fluidas em galego. Este sistema está a privar às
galego-falantes do direito a formar-se na sua língua e às castelhano-falantes do
direito de ser competentes em galego. Assim que como a esta Administraçom lhe
parece que isso é o normal e nom lhe preocupa, mas a muita outra gente ao
contrário, pois decidimos criar as nossas próprias escolas, que financiamos
vendendo camisolas, montando festivais e concertos, e criando rede social em
defensa da imersom linguística. Sabemos que a imersom linguística é o melhor
método para adquirir competências linguísticas em sociedades como a nossa.
P. Como vês a situaçom atual da língua galega?
R. Penso que, desde hai muitos anos, hai interesse, por parte da maioria dos
agentes políticos, de que a nossa língua fique minorizada, discriminada. Desde
o Estado espanhol, por exemplo, hai um grande interesse por unificar linguísticamente
o Estado em base ao seu projeto nacionalista espanhol. Esse nacionalismo, ou
pequeno-imperialismo, espanhol, vem de longe, radicalizou-se coa ditadura de
Franco e, nos últimos anos, voltou com força, nom só entre os partidos
políticos centralistas, senom mesmo entre umha parte importante da nossa sociedade.
Isso está aí. E eu gosto de formar parte dumha parte da sociedade que, dia a
dia, com compromisso social, cultural, político e cidadão, trabalhando desde
umha associaçom cultural ou vizinhal, desde a organizaçom dum festival de rock,
desde a ediçom dum CD, desde a criaçom dumha empresa de alimentaçom ecológica
ou desde a própria rede social (ou seja, desde muitos âmbitos), estamos a
intentar que a Galiza mude económica, social e linguísticamente. Sabemos que
umha das claves do desenvolvimento da Galiza é o idioma. Levamos muitos anos,
desde os Reis Católicos, perdendo falantes, idioma, palavras. Mas nunca houvo
tanto ativismo em defensa da língua e tanta gente coa ideia de que este país
vai ir a melhor se decidimos apoiar o nosso idioma. Porque o idioma defende-nos
e cria desenvolvimento.
P. Que crês que se deveria fazer para garantir a
sobrevivência da língua galega?
R. Todo depende do grado de participaçom social, da força participativa da
gente, da tua, que lês isto, das tuas colegas e, em geral, da cidadania.
Sabemos que umha minoria radical, nacionalista espanhola, está contra o galego.
Mas há muita gente que pode fazer muito pola nossa língua. Sabemos que desde o
espanholismo dos Governos atuais se atua a favor do castelhano prioritáriamente.
E que tenhem muitos cartos, meios de comunicaçom e empresas afins. Mas também
sabemos que, se a gente aposta polo galego, como ferramenta para transformar-nos,
para cambiar, esse câmbio pode ser imparável. Assim que todo depende de nós. De
que um dia falemos um pouco mais galego do que se espera de nós. E outro dia,
um pouco mais. E outro, um pouco mais. Nom podemos esperar que esta sociedade cambie
se nós nom o fazemos. E se seguimos a fazer o que sempre figemos, imos ter o
que sempre tivemos. Assim que mudar isto, nom só linguística senom socialmente,
depende de todas nós. À gente que lhe vai bem nom lhe interessa que isto cambie.
E essa gente já sabes que língua fala.
P. Como vês a situaçom atual da literatura galega?
R. Interessa-me muito a relaçom da nossa língua cos outros territórios onde
se fala o galego internacional, isso que por aí adiante se conhece como
«português». O galego-português, a nossa língua, que se fala no Brasil ou em
Angola, está a dar muita qualidade literária. E a Galiza está a aportar muito
ao mundo escrevendo em galego com «nh». Eu decidim escrever com «nh»:
«caminho», «estrelinha», «vinho». Antes, escrevia com «ñ». Dá-me a impressom de
que a literatura galega com «nh» tem a sorte de poder aproveitar o valor
patrimonial, tradicional, da língua, como sempre se falou aqui, e o valor
internacional, que nos comunica com mais de douscentos milhons de falantes. E
aqui temos grandes escritoras, com «nh» e com «ñ». Gosto muito de Ígor Lugrís,
de Lupe Gómez, de Andrea Nunes e de várias dúzias mais. A gente nova está a
traer muita qualidade. E todo vai depender, claro, da saúde do idioma. Quanto
menos galego fale a gente, menos língua haverá para mover o país, mais se vai
empobrecer a Galiza, e mais se vai enriquecer Espanha e, principalmente,
Madrid. Quanto mais gente falemos galego, mais literatura, mais música, mais
cine, mais ciência, mais tecnologia imos producir, compartir em
galego-português, desde a Galiza, entre nós, para nós e para o mundo.